Recuperação Estrutural

Seja por razões econômicas, ambientais ou sócio-culturais, quando uma edificação tem o desempenho estrutural comprometido, o procedimento natural é buscar recuperá-la, e não reconstruí-la. No passado, em função do pouco conhecimento sobre o comportamento estrutural, as soluções limitavam-se à adição de novos elementos e apoios e ao incremento das seções resistentes, métodos que, aliás, são empregados até hoje. No entanto, com o aprimoramento das técnicas de reforço, apesar da grande variedade de lesões às quais estão sujeitas, já é possível afirmar que quase sempre há uma solução para reparar estruturas danificadas.

Os desafios, porém, são grandes, e freqüentemente o serviço de recuperação é mais complicado do que uma nova construção. Primeiro porque deve haver a compatibilização do material existente, quase sempre deteriorado, com o de recuperação. E mais: o acesso às áreas que necessitam de tratamento pode não ser fácil. Em Bertioga, no litoral paulista, por exemplo, para aumentar o apoio de alguns pilares de sustentação de linhas de transmissão danificados pela ação do vento e da maré, o transporte dos insumos e dos homens ao local da obra só pôde ser feito por meio de pequenos barcos.”Quando foi aberta a licitação para essa obra, nenhuma empresa se interessou em fazer o trabalho, por causa das condições difíceis”, revela o engenheiro Edson Duarte Grego, diretor da GTS.

Também pode atrapalhar o fato de a edificação em tratamento estar funcionando, assim como a documentação existente sobre a estrutura ser deficiente e não retratar a realidade encontrada. “Por tudo isso, o preço/m² de um trabalho de recuperação é quase o mesmo que o construído, ou seja, é um serviço meticuloso, demorado e caro”, justifica o engenheiro Gustavo Loiola, diretor da Concrejato.

Sintomas e patologias 
Tudo tem início com a identificação do problema que compromete a estrutura. Equívocos de concepção e planejamento, elementos de projeto inadequados, falta de compatibilidade entre os projetos, erros de dimensionamento e detalhamentos insuficientes são algumas das falhas que podem levar a patologias e, por conseqüência, à necessidade de reparos. “Quando o projetista especifica concreto de elevado desempenho com base apenas na resistência à compressão, por exemplo, corre o risco de obter peças esbeltas, mas módulo de deformação ou elasticidade inadequado para determinadas fases da execução da obra”, alerta Vicente Custódio Moreira de Souza, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil da Universidade Federal Fluminense.

Intervenções podem decorrer, ainda, de falhas na etapa executiva. Nesses casos, segundo comenta Andriei Beber, pesquisador do Leme (Laboratório de Ensaios e Modelos Estruturais) do Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, as patologias têm origem ligada à pouca capacitação dos profissionais envolvidos, baixa qualidade dos materiais e componentes empregados, deficiências na confecção de fôrmas e escoramentos e no posicionamento e quantidade de armaduras.

Entre as falhas que levam à necessidade de reparos, a corrosão das armaduras é a mais comum e quase sempre está associada ao cobrimento insuficiente, à permeabilidade excessiva do concreto ou à deficiência do sistema de impermeabilização da estrutura, que permitem a percolação de água e a lixiviação do hidróxido de cálcio. “As juntas especificadas em projeto, quando não-executadas com o devido cuidado, também permitem a ação de agentes agressivos”, afirma Souza. “Da mesma maneira, deformações excessivas em lajes e varandas justificam reforço.”

No entanto, grande parte das patologias é resultado de utilização inadequada e de falta de manutenção apropriada. De acordo com Roberto Nakaguma, chefe do Agrupamento de Estruturas do IPT, vibrações geradas por cravação de estacas ou por máquinas instaladas no local, e até mesmo o tráfego de caminhões e trens, podem gerar sérios danos a elementos de concreto. “Além disso, alterações de uso com o decorrente aumento das cargas podem exigir a realização de reforços. Esse é o caso dos viadutos e pontes, diante do aumento do fluxo e do peso dos veículos, ou de edificações industriais em ampliação e com novas máquinas”, comenta. Há ainda os casos de estruturas danificadas por acidentes e desastres naturais. Aqui no Brasil, são basicamente incêndios.

Recuperação
Após análises rigorosas para identificar a causa da patologia deve ser escolhido o tipo de tratamento que será aplicado. Isso depende, em primeiro lugar, da anomalia detectada. O processo para recuperação de uma estrutura com corrosão, por exemplo, não é o mesmo do utilizado em locais com fissuras provocadas por deficiências de armadura. “Da mesma maneira, elementos de concreto armado atacados por sulfetos não podem receber o mesmo tratamento de um concreto que apenas possui deficiência de vibração, adensamento ou lançamento de altura elevada”, revela Souza.

Também é importante definir se a estrutura passará por recuperação, reforço, ou por ambos os processos. “A diferença é que por recuperação entende-se o retorno da integridade das peças estruturais incluindo a vida útil inicial.

Já os reforços pressupõem a perda da resistência residual, ou seja, a estrutura não atende mais às solicitações de projeto”, esclarece o engenheiro Alexandre Duarte, diretor da Teprem. Assim, nem sempre o reforço é recomendado para elementos em estágio avançado de degeneração onde a recuperação é importante, por exemplo.

No caso da recuperação, a solução é a recomposição da geometria das peças antecedida do tratamento do substrato de concreto deteriorado e das armaduras. Como geralmente o problema é a oxidação das armaduras, é necessária a aplicação de inibidores, que diminuem a velocidade das reações de corrosão. “A recomposição é feita de acordo com a necessidade, com argamassas pré-dosadas, tixotrópicas e/ou concretos aditivados”, complementa Duarte.

tec_84 capa2

Em geral, a recomposição da geometria das peças é o tratamento utilizado para
a recuperação de estruturas de concreto. Nesse caso, argamassas pré-dosadas,
tixotrópicas ou concretos aditivados podem ser empregados. Depois de recuperados,
os pilares do edifício da CESP que foram semidestruídos pelo incêndio passaram a
ter 2 m. Antes tinham 1,90 m

Aumento de capacidade de carga
Quando se trata de reforço, algumas especificidades da obra – cronograma, disponibilidade de canteiro e orçamento – são consideradas no momento de definição da metodologia. Em situações em que a velocidade de execução é o item mais importante, podem ser utilizados materiais de cura rápida. Por outro lado, sistemas como jatos de areia são rápidos, mas causam muita sujeira e são contra-indicados em locais onde manter o espaço limpo é fundamental, como indústrias em operação.

Outras vezes a principal limitação é não existir espaço para estoque, o que obriga a recorrer a materiais industrializados. “Há muitas opções, mas é preciso atenção para combiná-las de maneira que se chegue a uma solução adequada para o problema apresentado e para o orçamento disponível”, comenta Gustavo Loiola, diretor da Concrejato.

A metodologia tradicional para reforçar uma estrutura debilitada é o aumento das seções resistentes de vigas, pilares, lajes, tabuleiros de pontes e vigas-parede para elevar a capacidade de carga da estrutura. Nesse caso, uma nova camada de concreto é aplicada à superfície de concreto existente com o objetivo de produzir um elemento monolítico. Argamassas também são empregadas, assim como polímeros, particularmente em ambientes suscetíveis a ataques químicos.

Outra técnica utilizada para reforço de elementos de concreto armado é a aplicação de protensão externa, que contribui para a redução das deformações e o aumento da capacidade portante. Segundo o engenheiro Andriei Beber, da UFRGS, esse sistema vem se desenvolvendo principalmente nos Estados Unidos, Japão e na Europa por conta da relativa simplicidade de execução, ausência de problemas com o cobrimento dos cabos e possibilidade de inspeção e eventual reposição dos cabos durante a vida útil. Por estar localizado no exterior dos elementos estruturais, porém, é um sistema vulnerável à ação do fogo, da corrosão eletroquímica e atos de vandalismo. Para minimizar esse problema, a protensão externa deve ser protegida com o encapsulamento dos cabos com concreto convencional ou projetado.

Entre as opções para elevar a capacidade de carga das estruturas de concreto há, ainda, a aplicação de reforços externos por meio da colagem de chapas de aço. Essa é uma técnica de aplicação fácil, que permite reforçar o elemento sem que haja um aumento significativo das dimensões. Há, no entanto, algumas limitações, como a dificuldade de se fabricar chapas para o reforço de elementos com formas complexas e o elevado peso do aço, que dificulta o manuseio de peças grandes e demanda um sistema de escoramento durante a fixação. A solução exige cuidados especiais contra a corrosão. Para isso, o reforço deve ser protegido imediatamente após a instalação, criando tarefas adicionais de manutenção. Além disso, a durabilidade pode ser comprometida em função do grande potencial para a manifestação da corrosão na interface chapa/adesivo.

Mesmo não sendo tão freqüentes, a aplicação de estribos externos pré-tracionados, a adição de vergalhões ou perfis metálicos colados com resina epóxi, além da incorporação de novos elementos estruturais são também alternativas viáveis para o reforço de estruturas de concreto armado. “O emprego de materiais como aço e concreto em reabilitação apresenta inúmeras vantagens, em especial a tradição na construção civil e o baixo custo”, afirma Andriei Beber.

A falta de longevidade em alguns casos e a rápida deterioração em outros, porém, são itens que devem levar a uma melhora das propriedades e ao desenvolvimento de novas tecnologias. “Além disso, em alguns casos, restrições de projeto podem impedir a aplicação de determinadas alternativas de reabilitação, tanto do ponto de vista estrutural quanto de funcionalidade”, completa.

 Fonte: Revista Téchne

http://techne.pini.com.br/engenharia-civil/84/artigo286279-1.aspx